O último grande evento do E-Commerce Brasil de 2015, o Congresso Operação e Gestão, aconteceu hoje, 25 de setembro, no Hotel Unique e apresentou temas importantes para o e-commerce: a chegada da Amazon ao mercado brasileiro; as questões jurídicas do dia-a-dia; gestão de estoque, logística e tecnologia; gestão financeira; como alinhar TI e negócios; os principais desafios da logística e os bastidores da operação do e-commerce.
O dia começou com a palestra “Amazon: desintermediando o varejo e definindo novas regras”, com David Marcotte, VP da Kantar Retail Market Insights. David traduziu o modus operandi da gigante do e-commerce, que deve alcançar faturamento global de US $ 220 bilhões até 2020.
O executivo mostrou como o Amazon Prime, o clube que oferece vantagens aos consumidores ajuda a fidelizar e encantar os consumidores. Os membros, conquistados em pontos chave de sua vida – como no advento da maternidade ou entrada na vida adulta – compram 40% mais e são recorrentes.
O principal investimento de marketing da Amazon é o frete grátis – a principal vantagem do Prime – que custa à empresa 5% das vendas anuais. A estratégia para conquistar clientes que voltam é ganhar espaço na vida das pessoas através de suas inovações – seja o Kindle, o Amazon Echo ou o streaming gratuito de música e vídeo.
A empresa gasta 5% das vendas no frete grátis, o principal motivo para a adesão ao Prime (que cobra taxa anual para isso) e sua logística de entrega em 2 dias se tornou referência para todo o mercado.
Uma informação importante: a Amazon vendeu mais no Prime Day (15 de julho) do que na Black Friday. O evento exclusivo da loja conquistou um aumento enorme de inscrições no Prime, 226% de aumento no número de pedidos e volume de 34,4 milhões de itens vendidos em todos os países atendidos pelo clube – 398 itens por segundo, durante um único dia.
Para Marcotte, a operação brasileira da marca deve seguir o modelo usado no México: eles começaram a operação com a venda do Kindle, expandiram para eletrônicos e seguem incluindo novas categorias – aliás, foi esta a estratégia nos Estados Unidos, também.
No painel jurídico, Márcio Cots moderou o painel com Amanda Lee Cotrim Lopez, diretora jurídica da Daffiti; Flávio Franco, da Netshoes; e Fernanda Bertolini, gerente jurídica da Cnova. O destaque foi como lidar com as muitas mudanças da legislação, além da má-fé de alguns consumidores que movem ações contra o menor deslize, antes mesmo da empresa poder resolver seu problema.
A questão jurídica apareceu várias outras vezes no palco. A EC 87/2015 que legisla sobre a distribuição do ICMS entre os Estados a partir de 1o de janeiro de 2016 foi a mais recorrente. Afinal, o impacto disso será profundo na operação, sistemas, financeiro – sem contar que o caminho é tortuoso e a maioria dos lojistas corre o risco de ter que fazer Inscrição Estadual em 27 Estados para poder recolher a GNRE referente a estes impostos. E, claro, há o emaranhado costumeiro de alíquotas, que variam conforme produto e Estado.
O CTO da Walmart, Marco Moreira falou sobre gestão de estoque, logística e tecnologia, o tripé que constrói futuro para o e-commerce. Para além dos slides apareceu a questão mais pungente: o Brasil está vivendo um aumento de fraudes e tentativas de fraudes, que estão furando os métodos de segurança já conhecidos e usados pelo mercado. Conforme os grandes players se protegem, essa onda tende a migrar para as lojas menores. Segundo o executivo, isso está acontecendo em função do vazamento de alguns bancos de dados e a questão pode afetar os negócios que não prestarem muita atenção à questão.
Este fato foi confirmado também pela CFO da Privália, Nerea Burgos, que destacou o aumento de 3.000% do número de fraudes entre maio e julho. Em termos de valores envolvidos, as tentarivas de fraudes aumentaram 5000% no mesmo período.
Os desafios para o setor financeiro foram o tema do painel com Nerea Burgos e Miguel Fernandez, diretor financeiro do Dinda. O destaque foi crescer com rentabilidade e lucratividade. Para isso, é preciso que o financeiro dê conta de vários desafios – que vão de tributos e fraudes a investimentos em marketing, ROI de cada ação, custos trabalhistas e aproveitamento de recursos. O grande recado: ocupar-se dos desafios e fazer a lição de casa. Manter seu negócio funcionando bem, apesar de todas as dificuldades.
Miguel deu ótimas sugestões em sua fala:
- arrume a casa durante a crise, quando ela terminar você conquista mais market share e cresce mais rápido;
- otimize os custos de serviços contratados no exterior – com a grande alta do câmbio, é preciso otimizar estes recursos e evitar gastos;
- lembre de escriturar os créditos do ICMS (12% em São Paulo);
- há espaço para conseguir vendas que ninguém vê no seu financeiro. Cada retentativa de cobrança bem sucedida resulta em recuperação de uma venda que a empresa muitas vezes nem sabia que tinha feito.
À tarde, o gerente de TI do Walmart, Francisco Madureira apresentou sua experiência de usar a metodologia ágil (Scrum e Kanban) para alinhar TI e negócios e gerar valor para a empresa. No painel Logística sem mistérios, mas com muitos desafios, logo depois, Márcio Chammas, da Netshoes; Eduardo Oliveira, da Westwing mostraram como lidam com os desafios de suas operações. Nas duas empresas toda a operação de logística é feita dentro de casa – apenas o transporte é terceirizado.
Na Netshoes, são despachados 70 mil SKUs todo mês – mais de 200 mil se considerarmos variações de cor – a aposta é em planejamento e gestão de pessoas. A empresa oferece mais de 5 modalidades de frete aos seus clientes e já está testando entregas no mesmo dia para outros Estados através de parcerias com empresas aéreas. A empresa investe tanto em automatização como no seu capital humano – que, segundo Márcio são os segredos da marca para conseguir eficiência e engajamento.
A Westwing tem um desafio ainda maior – pois seu mix de produtos é muito complexo e variável. O volume também é enorme: mil SKUs por dia (o mesmo volume de uma loja física do Pão de Açúcar). Por lá, a logística é feita com cross-docking e padronização da operação. Todos os produtos são, sempre, reembalados de acordo com os padrões estabelecidos e também apenas o transporte é terceirizado. A cadeia é monitorada permanentemente e a empresa desenvolveu mais de 190 KPIs para acompanhar seus processos e saber dos problemas antes mesmo que aconteçam.
O dia se encerrou com um bate papo com German Quiroga, CEO da Cnova, que respondeu as perguntas de Vivianne Vilela, diretora do E-Commerce Brasil e da plateia. Quiroga acha que estamos no começo da história do e-commerce e sabe que a próxima grande mudança vem a reboque do uso dos celulares e do impacto explosivo da mobilidade no negócio – e da chegada das novas gerações, que já nasceram com a internet funcionando.
Segundo o executivo o e-commerce já responde por cerca de 5% do varejo nacional – a título de comparação, nos Estados Unidos o e-commerce é 50% do varejo. A importância pode ser medida pela valorização da própria CNova. Enquanto a Via Varejo (holding do grupo) vale 5 bilhões, a CNova vale R$ 7 bi.
Quiroga assumiu em público que a empresa mantém preços baixos nas categorias em que lidera (eletrônicos, eletrodomésticos, linha branca, móveis), e que repassa a negociação que consegue com os fornecedores para os clientes. Graças à estrutura de custo enxuta usa a margem de 13% em relação a uma loja física para reduções no preço e entrega grátis.
Perguntado sobre a chegada da Amazon ao mercado brasileiro e sua política agressiva de preços, German foi claro: “A Amazon faz seu papel: oferece para os clientes sortimento gigante, com excelente nível de serviços, não faz nada de errado. Cabe a nós estarmos preparados, não adianta criticar agressividade, é preciso entender o cliente e atender, oferecer o melhor preço e o melhor serviço. Concorrência só faz bem para a indústria. Boa concorrência faz bem, ganha o cliente e ganha o mercado. Se a sua empresa não conseguir, o problema está dentro de casa, não no mercado”.
Perguntado sobre a variedade de sistemas e a resistência de empresas com inovações tecnológicas, Quiroga acredita que num futuro próximo os fornecedores de tecnologia conseguirão desenvolver sistemas tão simples como os PDVs que atendem hoje o comércio. Além disso há a questão da mudança de comportamento dos consumidores. “Na Cnova, passamos de 0% de venda e 3% de visitas móveis há três anos para 50% de visitas e 10% de vendas móveis hoje”, disse. E no mobile existem outras ferramentas.
Para o CEO, há três pontos importantes para observar e que tendem a acelerar muito: a mudança nos meios de pagamento, com a chegada das carteiras digitais; a maturidade dos algoritmos que permitem mais facilidade para o cliente e o lojista; e a chegada da Internet das Coisas (IoT, em inglês) que pode ser uma fronteira interessante para o e-commerce.
Além disso, dentro da empresa, a gestão aposta no método startup de desenvolvimento: cria núcleos de desenvolvimento independentes, sempre com os melhores profissionais e delega a ele as missões – com todos os ônus e bônus do processo. Foi assim que conseguiram lançar o marketplace rapidamente e hoje têm 900 parceiros e um volume enorme de SKUs.
Fotos: Lucia Freitas, Conectiva